terça-feira, 30 de março de 2010

Os Replicantes



Aproveitei o ultimo carnaval para ver filmes de ficção cientifica. Não, não no cinema onde o arrasa quarteirões denominado Avatar bate todos o recordes de bilheteria com seus efeitos em 3D “revolucionários”. Me recuso a ser mais um para inflar o ego de James Cameron. Neste carnaval simplesmente parti para algo mais barato e preferi alugar o clássico dos anos 80 Blade Runner: O Caçador de Andróides para assistir em casa.

Nunca tinha assistido ao filme, ele fazia parte da imensa lista de filmes clássicos que eu nunca assisti. Pois bem, depois de assisti-lo tenho o maior prazer em dizer que Blade Runner já é automaticamente o meu filme favorito. Nunca um filme me deixou tão pasmo. O que Blade Runner possui é algo que Hollywood aparenta ter perdido faz tempo: a capacidade de contar uma boa historia.

Baseada em um livro de Philip K. Dick (que eu estou doido pra ler), Blade Runner narra a historia de um futuro onde uma poderosa corporação foi capaz de criar andróides com caracteristicas semelhantes ou mesmo superiores ao dos próprios seres humanos. Chamados de Replicantes, só possuíam uma diferença essencial com os seres humanos: não eram construídos para possuírem emoções, porém poderiam desenvolver com o passar dos anos, o que levou seus criadores a reduzir seu tempo de funcionamento para míseros quatro anos. Os replicantes eram utilizados como escravos em colônias fora da terra, em uma dessas colônias eclodiu uma revolta, que apesar de ter sido reprimida, trouxe serias conseqüências para os replicantes que passariam a ser ilegais dentro da terra, sendo que os Blade Runners, os caçadores de andróides, seriam os responsáveis pela captura ou pela “aposentadoria” dos replicantes fugitivos. Esse é contexto encarregado de apresentar ao espectador Rick Deckard (Harrison Ford), um Blade Runner encarregado de caçar um grupo de replicantes provindos de uma das colônias extraterrestres.

A sinopse acima serve de mote para arrancar uma das tramas mais intrigantes já vistas em um filme hollywoodiano que nunca perde o gás e não subestima a inteligência do espectador. Sim, Ridley Scott obteve a fusão perfeita entre o clima Noir, a ficção cientifica futurista e questionamentos filosóficos sobre a essência do ser humano. Este ultimo quesito é justamente o que o deixa em um patamar superior aos Exterminadores do Futuro da vida. Os replicantes rebeldes buscam a longevidade que lhes foi retirada por seus criadores, a única coisa que os afastam da experiência de serem humanos. O caçador Deckard tem sua vida virada ao avesso ao conhecer a replicante Rachael, funcionaria das corporções Tyrell – responsáveis pela fabricação dos replicantes -, que acredita ser humana por ter recebido implante de memórias humanas. São questionamentos que nunca são tratados de forma simplista, ou são apenas secundários perante as cenas de ação.

Ao todo foram três versões de Blade Runner, a original (a primeira a ser exibida nos cinemas), a do diretor (que na verdade Ridley Scott apenas supervisou) e a final (que, pelo que li, seria teria as reais alterações de Ridley Scott). A versão que assisti foi a do diretor que segundo consta difere da versão original por não conter narração em off, possuir cenas que foram limadas e por alterar o final para algo mais sombrio. Já a versão final difere por corrigir erros de produção presentes nas duas versões anteriores. Gostaria de falar mais sobre a original e a final, mas como só vi a do diretor poderei entrar em detalhes mais concisos apenas sobre essa versão.

A trilha sonora é de autoria do músico progressivo Vangelis, conhecido como “mago dos sintetizadores”, teve visibilidade no meio do cinema pela trilha sonora do filme Carruagem de Fogo, laureada com o Oscar. Além de Blade Runner, Vangelis também trabalhou com Ridley Scott em 1492 – A Conquista do Paraíso. Criou para Blade Runner uma trilha que, assim como o filme passasse, a impressão de um encontro entre o Noir dos anos 30 e 40 com um futuro robótico e extremamente artificial. Destaque para a música de encerramento.

Os efeitos visuais não abafam a historia, mas também não deixam de impressionar. Vide a imensa cidade loteada por carros voadores e prédios luminares. A maquiagem ajuda na temática Cyber-Punk da obra, em especial a utilizada pelos replicantes renegados. A cereja no bolo é a fotografia, uma das mais impressionantes que eu já vi.

Apesar de todos esses quesitos, eu não tenho duvida que a saga estupenda do caçador de andróides não seria tão impressionante se não fossem os atores. Todos dão um show de atuação, inclusive Harrison Ford que está de longe no seu melhor personagem. Sean Young impressiona como a replicante que possui memórias humanas. Daryl Hannah também não faz feio no papel de replicante renegada e objeto de afeto do lider Roy. Mas de todo esse elenco singular, ninguém supera Rutger Hauer que interpreta o líder dos replicantes Roy, sem duvida um dos personagens mais marcantes que já vi em um filme.
Por fim, Blade Runner é aquilo que eu pelo menos gostaria que o cinema hollywoodiano ainda fosse: uma indústria criativa que mesmo quando realizava uma adaptação buscava dar um frescor novo a obra adaptada sem desfigurá-la completamente. Hoje Hollywood parece ter perdido o rumo e ter se tranformado em algo semelhante a um franco-atirador descontrolado, desejando “pegar emprestado” personagens de outras mídias (Videogames, quadrinhos, livros e programas de televisão) para esconder a própria mediocridade. Blade Runner pega uma obra de um escritor de ficção cientifica conceituado e a transforma em um filme completo em todos os sentidos, deixando o espectador com água na boca para ler o livro.