domingo, 24 de maio de 2009

Sobre heróis e vilões

Há pouco tempo atrás, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, proferiu um polêmico discurso na conferencia da ONU que pretendia tratar do racismo, cujo conteúdo, carregado de teor religioso, atacou Israel, os EUA, o poder de veto dado aos membros do conselho de segurança da ONU e o mercado. Alem do fato de que importantes países ocidentais, mais Israel, boicotaram a conferencia com a desculpa de que ela se transformaria em um palanque anti-semita, um grupo de representantes, todos vindos de países europeus, decidiu retirar-se durante o discurso como forma de protesto. Mas Ahmadinejad obteve a proeza de arrancar aplausos não apenas de povos do Oriente-Médio que não gostam da presença ocidental em seu território e se identificam culturalmente, em alguns aspectos, com o Irã. Obteve palmas de um tipo bem conhecido nessa região do Sul da linha do Equador, o militante de esquerda que sonha com o socialismo, sente certo ranço pelo império do norte e, finalmente, idolatra, de forma não critica, Fidel e Che Guevara.

Um bom exemplo pode ser conferido no mundo do ciberespaço. Em Blogs como o Vi o Mundo - que traduziu o discurso de Ahmadinejad – e em sites como o Observatório da Imprensa, nas alas dedicadas aos comentários pipocaram manifestações favoráveis ao discurso de Ahmadinejad. Coisas do tipo “o Irã mostra a sua superioridade moral sobre o Ocidente” ou “o Irã, em seus séculos de existência, nunca invadiu uma nação, enquanto os EUA já invadiram praticamente todo o mundo”.

Não demorou para vir o balde de água fria. Pouco tempo depois do discurso polêmico, viu-se a noticia de que o regime iraniano executou uma jovem pintora acusada de matar a prima. O problema é que as evidencias do crime demonstravam que só poderia ter sido cometido por um destro, e a jovem era canhota. Não importou, cometeu-se o chamado “homicídio legal” quando o próprio estado mata uma pessoa. Sobre isso, os mesmos que manifestaram a “superioridade moral” do Irã ficaram calados. Pior, alguns continuaram manifestando a tal superioridade como se o dito “homicídio legal” nunca tivesse ocorrido. Era uma “invenção da mídia” alguns diziam.

O grande lance é que, com aquele discurso, Ahmadinejad encarnou a versão moderna do individuo que, com suas idéias iluminadas, derrubaria o império opressor dos povos e seus cúmplices. Ou seja, a versão moderna daquilo que a esquerda latino-americana com pouco senso critico chama de herói. Como diria o jornalista Laster Bangs: “eles não seriam heróis se não fossem infalíveis, na verdade não seriam heróis se não fossem uns cães sarnentos miseráveis, os parias da terra, e mais, a única razão para se construir um ídolo é jogá-lo por terra novamente”. E como eles caiam por terra.

Vamos começar pela esquerda, Fidel e, claro, Che. Os dois protagonistas da revolução cubana que derrubaram um governo ditatorial corrupto e instalaram o primeiro regime socialista do hemisfério ocidental a poucos quilômetros do maior império capitalista do mundo. Uma pessoa ligada a esquerda mais radical tendera a falar que Fidel criou os melhores sistemas de educação e saúde da América Latina (o último quesito é discutível), que o IDH de Cuba é o mais alto deste lado do continente e, finalmente, que Cuba foi o único pais com peito de encarar os EUA e sobreviver. Alguns mais exaltados dirão ainda que Cuba é a “verdadeira democracia”. Porém não é nenhum mito que Fidel, no auge de seu governo, perseguiu desafetos políticos. Aderiu a uma política de moldes stalinistas que perseguia não apenas os desvios políticos como também os morais. Recorreu a políticas econômicas falhas como a da produção de cana nos anos 60. Manteve durante o seu governo apenas um partido político fantoche. E, claro, mandou um bocado de gente para o famigerado “Paredon”.

O fotogênico Che Guevara (foto a esquerda), cujo rosto até hoje ilustra camisetas no melhor molde do consumismo, pregava que a situação da América Latina só seria melhorada por via da luta armada. Também não era nenhum humanista, tinha uma intimidade com arma como poucos têm e não tinha receio em matar a sangue frio. Lógico, que se algum dia você falar que Che era um assassino para um de seus admiradores, ele vai simplesmente te chamar de reacionário e que ingere lixo da grande mídia. É um romântico, no mal sentido.

A direita também tem heróis. O que dizer de Duque de Caxias (foto a direita), patrono das nossas forças armadas, que derrotou os exércitos de Solano Lopes na Guerra do Paraguai. Para uma parte dos brasileiros o herói maior de nossa nação, para a outra parte, o sujeito que detonou praticamente com 2/3 da população paraguaia e praticamente deixou o país de Solano Lopes com uma população masculina quase inexistente.

Para a turma ligada ao lado direito da força, as “revoluções” militares que tomaram o poder para salvar a pátria dos “caudilhos” e “comunistas” tem um significado praticamente heróico. Ainda hoje, não resta duvida de que ainda existe gente - principalmente civis - que acha que os governos militares foram necessários. Poderiam alias fazer camisetas com o rosto do Pinochet estampado para se contrapor as camisetas do Che Guevara.
Não podemos nos esquecer de quem elegemos pra ocupar o lugar de vilões. Vou começar pelo maior deles, os EUA. A raiva que certos setores da nossa sociedade, em sua maioria de esquerda, sentem pelo governo e o empresariado norte-americano é tamanha, que não apenas se dão ao luxo de criticar a política externa dos EUA – que não raro é de fato agressiva – como também o ambiente interno norte-americano. Não é difícil encontrar em blogs comentários tratando os EUA como se fossem uma ditadura liderada pelas grandes empresas e que o presidente não passa de um “relações publicas” (e o presidente do Irã é o que ?). Como os vilões fazem os heróis, Fidel e Che têm um grande debito com o imperialismo norte-americano.

Como para essa turma os EUA não têm aspectos positivos, eles fazem questão de lembrar que a constituição norte-americana, a primeira com as características do Estado moderno, não aboliu a escravidão. Também é importante lembrar que os EUA destruíram a nossa cultura exportando a deles para o nosso território, mesmo que tenha muita coisa boa que não mereça ser chamada de lixo cultural.

Como o mundo da política divide-se em direita e esquerda. O inimigo principal será sempre o outro lado. Para a esquerda a direita é astuta e maliciosa e que está disposta a tudo para manter o status quo. Para a direita a esquerda são um bando de insanos que estariam dispostos a entregar suas terras ao MST e separar suas casas ao meio. Qualquer sinal do outro lado será sempre visto como algo execrável.

Nosso continente sempre foi pródigo em criar heróis e vilões. Os primeiros tidos como donos de grandes virtudes capazes de mover montanhas. Os segundos seres destrutivos e monstruosos que estariam dispostos a tudo para alcançar seus objetivos. Porém sempre nos esquecemos que os únicos que fazem jus a essas palavras ou são de alguma mitologia, ou são personagens de historias em quadrinhos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois é, grande Gabriel. Não sabemos, afinal, que é o grande herói da história. Não há.